terça-feira, 21 de agosto de 2012

Pavese e o seu "Mestiere di Vivere"



Tudo o que o nosso corpo faz, excepto o exercício dos sentidos, escapa à nossa percepção. Não damos conta das funções mais vitais (circulação, digestão, etc.). O mesmo se passa com o espírito: ignoramos todos os seus movimentos e transformações, as suas crises, etc., que não sejam a superficial ideação esquematizante.
Só uma doença nos revela as profundezas funcionais do nosso corpo. Do mesmo modo, pressentimos as do espírito quando estamos em crise. 

Cesare Pavese, in "O Ofício de Viver"

    Já aqui tinha falado no Pavese, mencionado o seu fim, para evocar este livro, ou melhor da nossa relação (da minha com ele e da dele comigo; a redundância só o é na aparência de efeito literário)...
   Hoje o que importa, ou impressiona, não são  coincidências, significados ou insinuações biográficas. Ler, e já agora, citar, são formas de rescrever. Assim sendo o que faz viver qualquer tipo de texto é a sua apropriação e disseminação. Talvez se passe isto com a maior parte dos livros. Contudo há textos em que se pressente a espessura (o texto atrás do texto atrás do texto...). Literatura tridimensional. E por isso a postagem da capa (salvo erro do Câmara Leme). 
   Pegue-se noutro exemplo do mesmo Pavese: "Amor é desejo de conhecimento". Há tempos que tenho a frase comigo, a latejar-me na cabeça à cadência cardíaca e não a "esgoto"... mas desconfio que é das coisas mais tristes que li.
   
  Leio-me e reconheço o fatal desejo de desabafo. Não nos quereremos nós "confessar" todos ? De quê e a quem ?
  Em crise apenas constato que por estes dias tenho comigo conversas muito mais interessantes do que com a maioria das pessoas; que me incomoda o barulho do mundo e me fere fundo o seu silêncio...
   Avesso a saudades dei por mim num jardim a olhar uma paisagem com tudo para ser bela, mas que, ainda assim, não passava da evocação saudosa de uma outra (uma imagem, atrás de uma imagem, atrás de uma imagem...)

   Deixo o Pavese sentado e nada lapidarmente (a lápide já lá está, e chega...) digo, baixinho, que é como pensamos e sentimos ao mesmo tempo: já morreste !

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